30.8.06
O texto a seguir, foi publicado na contra capa de um cd de Angela Ro Ro, de 1994.
"Há quem diga que Angela Ro Ro não existiria sem Maysa. Pode ser. Dos olhos verdes abissais à voz rouca que lhe emprestou o sobrenome artístico, esta Angela ( que como outra grande cantora, também é Maria) guarda em comum com Maysa o gosto pela densidade, pelos climas noturnos, por aquilo que na longa e nobre linhagem das cantoras-compositoras brasileiras convencionou-se chamar "dor-de-cotovelo". Só que, em Ro Ro, ao contrário de Maysa e, por exemplo, Dolores Duran, essa dor freqüentemente vem marcada por um humor irônico e até debochado. A verdade é que Angela RoRo concentra em seu trabalho várias tendências - do samba-canção ao blues, do rock and roll ao bolero. Surgindo como um furacão em 1979, seu primeiro disco logo se impôs na maré de novas cantoras da mesma época. E que surgiam - geração pós-tropicalista, portanto aberta a todas as influências - também como conseqüência do movimento feminista dos anos 60-70, quando muitas mulheres trocaram a pia pela máquina de escrever. Ou pelo violão. Impossível ver Angela Ro Ro dissociada desse fenômeno. Nas muitas entrevistas polêmicas que deu, sua voz é inconfundível. Tanto pela rouquidão quanto pelas coisas - atrevidas, sempre - que diz. Uma artista e uma pessoa sem engodos. Cantando músicas de outros compositores ("Escândalo" de Caetano Veloso, que é a cara dela, ou o clássico "Demais", de Aloysio de Oliveira e Tom Jobim) ou suas próprias, essa Angela irreverente e jamais inconseqüente é, antes de mais nada, muito particular. Tanto que, nos últimos anos, preferiu continuar solitariamente o próprio caminho a aventurar-se por outros talvez mais gratificantes mas, com certeza, muito mais descartáveis.
Ela não é dessas que passam com facilidade. Referência fundamental às novas cantoras-compositoras que surgem a cada dia, Angela Ro Ro traz consigo o mesmo segredo de Billie Holiday: impossível ouví-la sem um copo de uísque (real ou imaginário), sem a lembrança de algum amor perdido. Nas fogueiras da paixão em que sempre ardeu, em meio a difíceis sabedorias, a obra e a vida de Angela Ro Ro têm aprendido que, apesar de todas as quedas, viver pode ser uma coisa bela. De uma beleza cegante, só concedida aos que - como ela -têm a coragem de jogar-se nas aventuras do amor. Que também pouco importa, pode ser real ou ilusório. A essa voz e seus graves profundos, quase sempre basta apenas um piano. Mas de quem a ouve, exige muito mais: que o amor tenha doído, alguma vez, em algum momento. Para esses amorosos desorientados de fim de século é que Angela Ro Ro canta. Nada mais adequado como trilha sonora de um tempo em que, embora as mãos toquem-se cada vez menos, a cada um de nós só resta mesmo é viver. Como ela, sem engodos."
Ela não é dessas que passam com facilidade. Referência fundamental às novas cantoras-compositoras que surgem a cada dia, Angela Ro Ro traz consigo o mesmo segredo de Billie Holiday: impossível ouví-la sem um copo de uísque (real ou imaginário), sem a lembrança de algum amor perdido. Nas fogueiras da paixão em que sempre ardeu, em meio a difíceis sabedorias, a obra e a vida de Angela Ro Ro têm aprendido que, apesar de todas as quedas, viver pode ser uma coisa bela. De uma beleza cegante, só concedida aos que - como ela -têm a coragem de jogar-se nas aventuras do amor. Que também pouco importa, pode ser real ou ilusório. A essa voz e seus graves profundos, quase sempre basta apenas um piano. Mas de quem a ouve, exige muito mais: que o amor tenha doído, alguma vez, em algum momento. Para esses amorosos desorientados de fim de século é que Angela Ro Ro canta. Nada mais adequado como trilha sonora de um tempo em que, embora as mãos toquem-se cada vez menos, a cada um de nós só resta mesmo é viver. Como ela, sem engodos."
Caio Fernando Abreu
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