15.7.06

Velha Infância

Eu sou de 72, janeiro de 72, segundo minha mãe, fez um calor infernal aquele mês, mas milagrosamente choveu e o tempo ficou fresquinho, fresquinho no dia que eu nasci.
A lembrança mais remota que eu tenho é de uma festa, muita gente, uma noiva, uma cesta com alianças, um fusca cor de bala soft de uva, minha mãe num vestido lindo azul marinho com uma flor na altura do peito igual o Roberto Carlos usava na lapela, meu irmão com um macacão branco, casamento da tia Vanda e eu deveria ter uns 3 ou 4 anos.
Lembro de muitos papéis espalhados pela rua e a gente jogando tudo para o alto, era campanha do Paulo Maluf, não sei que ano, às vezes minhas lembranças não são cronológicas.
O dia mais legal foi quando foram colocar poste de luz na rua onde eu morava e ia ter um poste em frente a minha casa, aqueles tratores, montes e montes de terra e a gente no meio daquilo tudo, era o máximo.
A gente morava com a minha avó e meus tios, era um puxadinho da casa dela, tinha um quintal enorme (era enorme pra nós que éramos crianças, porque na foto é pequeno, aliás, às vezes fotos acabam com muitas ilusões e certezas deliciosas), minha avó ensaboava todo o quintal e a gente escorregava de barriga, era de-mais.
Todo domingo tinha sempre muita gente em casa, parentes, amigos dos meus pais, amigos dos meus tios, ping-pong e muito macarrão.
Vem dessa época minha paixão por gatos, tia Célia tinha uma gata malhada e um gato preto que era o Mussum e eu amava o Mussum tanto o gato como o Trapalhão.
A gente ia muito ao Horto Florestal e num clube chamado Santa Mônica, lembro do meu pai sempre com uma tanga vermelha e minha mãe com um lenço na cabeça.
Quando meu pai trouxe uma televisão de 26 polegadas, colorida a primeira coisa que vi foi a novela Escrava Isaura (não vi o remake pelo mesmo motivo das fotos, pra mim Escrava Isaura vai ser eternamente a Lucélia Santos), virei noveleira de carteirinha e digo igual Janete Clair, só em outra vida, vi Dancing Days, Pai Herói, Éramos Seis, Os Imigrantes, uma novela onde o Rubens de Falco era vampiro e tinha também a Bruna Lombardi, lembram? Os Gigantes, O Profeta, Baila Comigo, Marron Glacê, Te Contei, Anjo Mau, Saramandaia, O Astro, Sétimo Sentido e tantas outras que ficaria até amanhã aqui escrevendo, meu sonho era ver Malu Mulher, vinha até a vizinha em casa pra ver, passava às 10 da noite e era proibidíssimo para nós.
Eu fui pra pré escola com 6 anos, ia de perua-kombi com o tio Cláudio e lembro de um loirinho chamado Márcio que foi meu primeiro grande amor, sofriiiiia por ele (mal sabia eu quantos grandes amores teria pela vida afora). Foi no Pré que eu peguei o maior bode de festa junina, quando fui humilhada e desprezada pelo meu par que não apareceu no dia da festa.
Na época dos meus 6 anos nasceu meu irmão caçula, foi a primeira grande decepção da minha vida que eu me lembre, eu queria tanto, mas tanto uma irmã e veio o Cabeção.
Aos 7 anos eu era um verdadeiro moleque de rua, com 3 irmãos, todos homens não poderia ser muito diferente, nunca tive uma Susie sequer, meu pedidos de presente de Natal eram Ferroramas, Autoramas, jogos de tabuleiro, Aquaplays, livro (era doida por um livro), instrumentos musicais, brincava de bola de gude e peão na rua. Aos 7 anos também foi quando comecei a usar óculos, entrei para o primeiro ano primário e morria de medo de tabuada porque achava que era uma coisa que doía, nessa época também nós mudamos da casa da minha avó para uma casa enooorme, o dia da mudança era o último capítulo de Dancing Days, pra mudança meu pai comprou uma Kombi azul clara e a gente viajava muito com ela, ia a maior galera, minha família sempre andou em bando, acho que por isso que meu pai comprou justamente uma Kombi, lembro que tinha até penico dentro dela e que quando ele vendeu, afe, foi o maior chororô, trocou a super Kombi azul calcinha por uma Brasília totalmente sem graça, sem glamour e branca.
Nessa casa nova tínhamos uma vizinha que dava em cima do meu pai, um dia minha mãe e minha tia-avó deram uma surra na mulher com a mangueira da máquina de lavar, hahahaha, fala sério, nunca vou esquecer a cena, nós chegando da rua e ela saindo em disparada pelo quintal, não me perguntem o que ela fazia dentro da minha casa.
Lembro do dia da morte do Elvis, era à tarde e minha tia correu pro quarto com a mão na boca e meu tio começou a chorar na sala e eu perguntando se o Elvis era meu tio também.
Minha mãe vivia no hospital, já sofria do coração, às vezes eu ouvia meu pai chorar e eu me sentia tão sozinha e tinha tanto, mas tanto medo, só que não me lembro exatamente bem do quê.
Com 8 anos eu peguei hepatite e caxumba, tudoaomesmotempoagora, fiquei 45 dias de “molho”, nínguém podia me visitar, passava meus dias vendo TV Mulher e Sítio do Pica Pau Amarelo, foi nessa época que fiquei fã do Clodovil para todo o sempre. Quando sarei ganhei o meu primeiro videogame, o indefectível Telejogo, e o meu brinquedo favorito até hoje, o Gênius, eu tinha uma vitrolinha daquelas que a tampa era também as caixas de som, tinha um disco azul da Festa do Bolinha (eu ontem fui à festa na casa do Bolinha, confesso não gostei...) e outro amarelo da estorinha do Pinóquio (que eu achava muito deprimente), mas na verdade, nessa vitrolinha eu gostava mesmo era de ouvi a trilha sonora internacional de Dancing Days, ouvia Elvis Presley, muito Roberto Carlos, mas muito Roberto Carlos mesmo, aliás o RC é parte integrante da minha infância, minha mãe e minhas tias eram e são enlouquecidas por ele e tem duas músicas que quando ouço me remetem imediatamente aquele tempo: Lady Laura e O Portão (eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo, rá, canto isso todo dia quando chego em casa), claro que quando lembro dos meus natais é impossível separá-los de alguma música do RC.
Também tinha o Chico mas esse já era uma coisa mais minha mesmo, sem influências, em casa não tinha ninguém engajado ou militante ou politizado, ninguém tinha disco do Chico, Gil, Caetano ou Geraldo Vandré, mas tinha o rádio (nessa época acabava muito a luz, engraçado...) e tudo do Chico me impressionava, Cálice, Geni e o Zepelin, Construção, Roda Viva e eu via os festivais e minha cabecinha, então de 8 anos, fervia.
Tínhamos uma babá, a Maria, que ouvia muito rádio AM, Zé Betio, Barros de Alencar, Décio Campos, já viu, só rolava Sidney Magal, Odair José, Jane e Herondi, Gretchen, etc, eu sabia todas as músicas. TODAS.
Meu pai tinha uma prima que eu amava. A Betinha (cuja a vida dá uma puta novela boa), morava com a gente e trabalhava no Maksoud Plaza de garçonete, ela tinha autógrafos do Roberto Carlos, do Tarcísio Meira, Francisco Cuoco, Carlos Alberto Ricelli e anos depois, como esse universo sempre conspira, eu comecei minha carreira hoteleira no último hotel que ela trabalhou. Um dia Betinha apareceu grávida e ninguém falava do pai e nem teve casamento igual ao da tia Vanda, foi ai que saquei que nem todo mundo morava com pai e mãe na mesma casa e que tinha mãe que deixava filho pra ir atrás de macho do outro lado do oceano.
Com 9 anos eu menstruei, horror dos horrores, nem me lembro muito dessa fase, acho que criei um bloqueio natural, imagina menstruar com 9 anos! Começou a nascer meu peito também nessa época e doía, ai como doía. Na fila de entrada na escola eu tinha vontade de sair correndo e de morrer, todo mundo empurrava todo mundo e me acertavam sempre no peito e a lágrima parava na bordinha dos olhos porque, mais que a dor, eu tinha uma vergonha do tamanho do mundo.
Eu via muita televisão, muito desenho, era apaixonada pela Princesa e o Cavaleiro, via todo o horário político, lembro direitinho do Lula, via o Povo na Tv, Vi o casamento da Lady Di e enem achei tudo isso, via Bozo, Vagner Montes, fui no Domingo no Parque e vi o Silvio Santos bem de pertinho.
Eu fazia coleção de álbum de figurinhas do Paulistinha, a gente trocava por prêmios tipo eletrodomésticos, e da turma da Mônica que tenho até hoje guardado, nunca gostei de papéis de carta e nem de fofoletes,
Foi com 9 anos que participei de um campeonato estadual de xadrez, fui descaradamente roubada e aprendi como tem filho da puta nessa vida nessa época.
Com 9 anos vi a primeira revista de sacanagem, foi na escola, na terceira série e aprendi as palavras buceta, caralho, porra, cu, e ficava na minha cabecinha imaginando como eles faziam tudo aquilo, mesmo porque, não entendia a metade do que estava escrito.
Com 10 anos fui pela primeira vez ao cinema, fui ver Os Saltimbancos Trapalhões e mais uma vez o Chico pra encantar a minha vida, cantando coisas do meu mundo.
Aos 11 fui pela primeira vez sozinha no cinema (Et, phone, home...) e no Mac Donald´s que tinha acabado de chegar em Sampa, vi Lagoa Azul e Flash Dance com a turma do terceiro colegial na escola, 11 anos foi uma especie de ápice da minha independência, me tornei escoteira, fazia ballet clássico há anos e ginástica olímpica há um ano, viajava sozinha com a galera, ora do ballet, ora da ginástica, ora do escotismo e me sentia super poderosa, super segura de si. Dei o primeiro beijo e no final do ano já sabia o que era transar (na teoria). Com 11 anos fui campeã paulista de ginástica olímpica e odiei, me tornei o centro das atenções na família e no clube e detestava isso mais que tudo, mais do que ter peito, jurei que nunca mais ia competir em nada nessa vida, promessa que cumpro até hoje.
Amava Blitz, Ritchie, Metrô, arrumei meu primeiro namorado, já pensava muito em sexo, mas ai já é quase metade dos anos 80 e esse é outro capítulo





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